Preconceito sanguíneo

Jovem universitário é impedido de doar sangue ao assumir sua homossexualidade e portaria nacional pode ser contraditória

Por: Bárbara Zaiden e Thamara Fagury

Há alguns anos as campanhas para a doação voluntária de sangue têm se intensificado e, frequentemente, vê-se cartazes espalhados com pedidos para aqueles que necessitem. Em junho de 2011 foi lançada a portaria 1.353. No artigo 1, parágrafo quinto afirma que “a orientação sexual (heterossexualidade, bissexualidade, homossexualidade) não deve ser usada como critério para seleção de doadores de sangue, por não constituir risco em si própria”. Ou seja: o preconceito não pode ser fator de impedimento para alguém que queira realizar a doação de sangue.

Outras especificações da portaria têm como objetivo proteger o receptor do sangue. Aqueles doadores que apresentem histórico clínico com riscos à saúde podem ser barrados durante o processo de triagem. Pessoas que tenham realizado práticas que facilitem a contaminação de doenças sexualmente transmissíveis também podem ser consideradas inaptas à doação.

De acordo com o advogado e ex-professor da Universidade Federal de Goiás, Simon Riemann, a Constituição Federal é norma máxima que estabelece os princípios, valores do Estado brasileiro e todo o restante da legislação deve observá-la, todas as leis, resoluções e portarias devem ter compatibilidade com a mesma. Assim, nesse caso observa-se que a portaria 1.353 viola a constituição. “Inconstitucional, apesar de quem a elaborou provavelmente deve ter pensado num índice maior de incidência de HIV em pessoas que mantenham relações homossexuais, mas isso não justifica. Isso inclusive veicula um comando preconceituoso que está sendo superado”, observa Riemann.

O ocorrido

Samuel Caetano Uchôa tem 19 anos e é estudante de Letras da Universidade Federal de Goiás. Há alguns anos ele tem o hábito de fazer a doação voluntária de sangue na cidade de Goiânia. Por cerca de seis vezes o universitário passou tranquilamente pela triagem e conseguiu ajudar quem precisasse do sangue compatível com o seu. Mas em novembro deste ano, Samuel enfrentou uma situação desagradável. Assim como em outras vezes, se dirigiu ao banco de sangue do Hospital Araújo Jorge para fazer o que para ele já era considerado, de certa forma, rotineiro. Desta vez, contudo, o estudante não conseguiu consolidar sua doação.

Ao ser levado para a sala reservada responderia às perguntas de praxe que têm como objetivo a preservação da segurança dos receptores, o jovem foi surpreendido ao ter a doação negada. Assim que respondeu positivamente à pergunta sobre a prática de relações sexuais com pessoas do mesmo sexo há menos de 12 meses, o enfermeiro informou a Samuel que ele não poderia doar seu sangue.

Samuel ainda narra o episódio com indignação: “eu fiquei sem entender. Eu sabia da existência da lei e mesmo assim nunca havia negado minha homossexualidade para doar. Eu perguntei ao enfermeiro se seria impedido de doar mesmo que minhas relações tivessem sido com camisinha, ele só me respondeu: ‘aqui não diz nada’”.

O estudante optou não insistir na concretização da doação, afinal, ele acredita que não seria nada eficaz. Samuel acredita que divulgar o fato e conscientizar as pessoas é uma reação muito mais inteligente. Para isto, ele divulgou o caso em sua página na internet. Todos aqueles que liam seu depoimento e sentiam-se tão humilhados e desrespeitados quanto ele, compartilhavam o caso. Desta forma, suas palavras atingiram abrangência muito maior do que ele esperava. Um jornal da capital já o procurou e publicou uma reportagem sobre o assunto.

Em nota, a assessoria de Comunicação do Hospital Araújo Jorge afirmou que segue as normas estabelecidas pelo Ministério da Saúde na portaria lançada. Além disso, ainda foi afirmado que “o banco de sangue do Hospital Araújo Jorge trabalha dentro da política de atenção e acolhimento humanizado aos candidatos à doação de sangue, independente do gênero evitando qualquer tipo de discriminação”.

A indignação do universitário é pelo fato de que ele tem consciência de suas relações sexuais, afinal, tem um relacionamento fixo há oito meses e tem o hábito de sempre se proteger. Ele conhece pessoas que pelo mesmo motivo negam a sexualidade e não são barrados durante a triagem. Mas Samuel ainda não sabe o que pensar sobre isso, afinal, “ao mesmo tempo que você nega, você estaria, de certa forma, perpetuando o preconceito. Por outro lado, falar a verdade pode te impedir ajudar pessoas que talvez tenham passado por tamanha dor a ponto de assumir uma posição de conscientização e respeito”.

O desejo de Samuel é compartilhado por vários cidadãos brasileiros. O país que se diz ser “de todos”, deveria efetivamente promover ações que contribuíssem para a inclusão e a igualdade de seus habitantes. Além do poder do governo, é necessário também que os próprios cidadãos entendam seu papel e “respeitem as diferenças, mesmo que não as aceitem”, conclui o estudante.

Fonte: Facomb