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Quando o humor vira coisa séria...

Reconhecido tradicionalmente pela seriedade e compromisso com a veracidade dos fatos, o Jornalismo pode parecer, num primeiro momento, incompatível com o humor. No entanto, o programa CQC prova que é possível informar fatos cotidianos com uma dose limitada (ou não) de irreverência.

 Por Amanda Araújo e Vinícius Braga

 

 

Pode não parecer, mas humor e jornalismo são velhos aliados no Brasil. Antes mesmo da República, os radapés dos jornais semanais traziam histórias cômicas. Durante o período de transição da Monarquia para a República, marcado por divergências e lutas políticas, a produção de sátiras aumentou e explicitou as rixas entre os políticos. O humor era uma forma de expressão dos ódios e rancores da época.

 

Com a evolução tecnológica sofrida pela imprensa na última década do século XIX, surgiu um novo modelo de jornal. Consequentemente, a representação cômica da vida nacional ganhou mais força. O jornal era agora mais moderno e refletia a alma popular, dando espaço para as suas opiniões, conquistas e aspirações. Neste mesmo momento, surgiram as revistas humorísticas, estimuladas pelos avanços das técnicas de impressão e reprodução. 

 

Esta forma irreverente de informar parecia agradar ao público, o que contribuiu para que o humor se espalhasse para diferentes mídias. Diante dessa "dinamização" jornalística surge a seguinte questão: Jornalismo e humor são uma assossiação confiável? Juntos, não vão de encontro aos princípios éticos do Jornalismo? Para Rosana Borges, professora de Comunicação da Universidade Federal de Goiás e gerente da TV UFG, o humor, em si, não fere os princípios éticos do Jornalismo: "Assim como acontece com qualquer outro enfoque, não é este ou aquele gênero que atribui credibilidade e confiabilidade ao conteúdo da informação, e sim, o rigor e a ética que a elabora."

O Programa

 

"Custe o que custar" ou simplesmente CQC, exibido pela Rede Bandeirantes de Televisão, é um exemplo claro de que jornalismo e humor podem informar e ao mesmo tempo entreter. O programa é uma versão argentina do "Caiga Quien Caiga" e faz um resumo semanal, bem humorado e satírico de notícias sobre política, esporte e entretenimento. É apresentado por Marcelo Tas, Marco Luque e na terceira cadeira alternam os repórteres Danilo Gentili, Felipe Andreoli, Rafael Cortez, Oscar Filho e Mônica Iozzi. Com terno preto e óculos escuros, trajes típicos de personagens de filme de espionagem norte-americano, os integrantes do programa correm atrás da notícia e a repassam para o telespectador de uma maneira bem diferente do que vê nos telejornais. Eles passam a sensação de que são o quarto poder, e estão de olho principalmente no que se passa no cenário político brasileiro. No Congresso Nacional, os repórteres fazem perguntas aos parlamentares que, provavelmente, quem assiste gostaria  de fazer. A ousadia incomodou tanto que, em 2008, a equipe foi proibida de realizar filmagens no órgão. Só conseguiram autorização para retornar após a criação do movimento na internet "CQC no Congresso".

 

Ironia, sarcasmo e perguntas de duplo sentido. Os apresentadores e repórteres abusam destes ingredientes para motivar o público a ter uma visão crítica dos fatos veiculados. Estes recursos muitas vezes desmascaram certas personalidades diante das câmeras. Mônica Iozzi e a produção já foram agredidos pelo deputado Nelson Trad (PMDB - MS). Na ocasião, em um quadro que simulava a coleta de assinaturas para uma proposta de emenda à Constituição (PEC), a repórter, o produtor e o cinegrafista tiveram que lidar com a ira do político. Tudo isso porque quiseram saber o que o parlamentar acabara de assinar - sem ler o conteúdo: a "PEC da Cachaça", peça fictícia que pedia a inclusão da bebida alcóolica na cesta básica do brasileiro.  

O Telespectador

 

A estudante Lara Lemes, 22, é uma telespectadora assídua do programa e admira a irreverência dos repórteres ao informar: "É uma nova forma de comunicação e uma boa estratégia para atrair o público, principalmente o mais jovem. O CQC é uma opção para quem não se interessa em assistir telejornais mas que, de alguma forma, precisa estar antenado com os acontecimentos do mundo." Para ela, o programa permite acompanhar o trabalho dos seus representantes políticos, contestá-los e cobrar serviços. 

 

No entanto, Rosana Borges afirma que o telespectador deve ficar atento à irreverência do CQC: "Neste tipo de programa, muitas vezes, a informação pode ser distorcida por falta de rigor e ética na abordagem e angulação construídas". O empresário Cícero Fagundes, 42, não concorda com o formato do programa. Para ele, os repórteres preocupam-se mais com o lado humorístico do que levar informação ao público. "É um bom programa de entretenimento, mas não o vejo como uma forma confiável de informar. Eles tratam um assunto sério com ironia e sarcasmo e esta não é a maneira mais correta de fazer notícia. Eu ainda prefiro o bom e velho telejornal.", afirma Cícero.

 

Esta nova maneira de informar divide opiniões. Enquanto o público jovem enxerga estes programas como uma forma inovadora de manter-se informado, há o público tradicional que não concorda com o tratamento irreverente dado à notícia. Evidentemente, o formato do CQC não pode ser comparado com os telejornais atuais, já que a abordagem jornalística feita entre um e outro são bem diferentes. Contudo, não se pode ignorar que o humor é um enfoque, entre os muitos possíveis, de se fazer Jornalismo.

Fonte: Facomb