A situação do criminalista em Goiânia
Por Grace Shellem
Perfeccionista, detalhista, intuitivo e perspicaz são algumas qualidades de bom perito apontadas por
Thiago Abreu (28). Membro do grupo de profissionais do Instituto de Criminalística de Goiânia, ele
fala sobre a importância, desafios e dificuldades da profissão.
Qual a importância da Polícia Científica? O que ela faz?
Thiago - A importância da Polícia Científica está em constatar a materialidade dos fatos: comprovar
se houve ou não crime, de que forma tudo aconteceu, quais instrumentos foram utilizados, apontar ou
excluir pessoas que tiveram ou não tiveram relação com um determinado evento.
A qual órgão da administração pública os funcionários que trabalham nesta área estão
subordinados?
Thiago - Em Goiás, todos estão subordinados à Superintendência de Polícia Científica que por sua vez
está subordinada à Secretaria de Segurança Pública que está subordinada ao Governador do Estado.
Que tipo de profissionais participam da Polícia Científica?
Thiago - Inúmeros e com formação diversa. Há fotógrafos criminalísticos, desenhistas, auxiliares de
laboratório, auxiliares de necropsia, médicos-legistas, papiloscopistas, auxiliares administrativos e nós,
peritos criminais.
Que tipo de perícia você faz?
Thiago - Eu faço perícias externas, em locais de crime propriamente ditos. Eu vou ao local de crime,
e encaminho os vestígios e evidências para serem analisados em laboratório, mas não trabalho
em laboratórios. As perícias vão desde alegados suicídios, homicídios, a mortes naturais sem
esclarecimento, acidentes de trânsito com vítima fatal, acidentes de trabalho com vítima fatal,
incêndios, locais de manipulação de tóxicos ou de crimes sexuais... Tanta coisa.
Em sua profissão, há flexibilidade de horários e locais onde realizar seu trabalho?
Thiago - Há relativa flexibilidade. Como já trabalho em horários que geralmente meus colegas não
gostam (finais de semana, feriados), não tenho dificuldades com plantões em dias que tenho maior
preferência. A carga horária mensal é fixa, mas os dias de plantão variam. São todos plantões de
24horas.
Quais as dificuldades da sua profissão? Existem pressões?
Thiago - Sim, muita pressão. Os laudos são documentos sérios que podem incriminar ou livrar uma
pessoa. Tudo é muito sério e de sérias conseqüências para os envolvidos. É preciso ter muita dedicação
às perícias. Além do que, não temos material adequado e trabalhamos em lugares perigosos, de
madrugada, em lugares ermos. Há grande risco biológico de contaminação. Lidamos com o risco de
contrair doenças muito graves a todo tempo, e muitos produtos e substâncias que usamos são tóxicos e
cancerígenos. A coisa aqui é tensa do começo ao fim. Muito mesmo.
Como deve ser a relação do perito com as testemunhas?
Thiago - Não temos muita relação com eles. Isso é mais para delegado que faz audição de testemunha
e confronta versões. Nós não lidamos com versões de pessoas, nós lidamos com evidências materiais,
vestígios. A coisa é ou não é. Não nos importa muito o que a versão de fulano ou beltrano. Importa o
que é demonstrado nas provas materiais.
Quais as características de um bom profissional na sua área de atuação?
Thiago - Perfeccionista, detalhista, dedicado, estudioso, intuitivo, perspicaz, disciplinado.
Que equipamentos são utilizados em uma perícia?
Thiago - Temos falta de quase todos e muitos compramos do nosso próprio bolso porque não temos
incentivo das autoridades. Os laboratórios usam ou deveriam usar equipamentos sofisticados. Nós
usamos reagentes químicos, pós, máscaras de vários tipos, calçados, lanternas e ondas eletromagnéticas
em várias freqüências e comprimentos de onda, papel, caneta, trena, bússola, GPS, facas, suabes,
pacotes... vixe! Coisa demais!
Que tipo de crime ocorre com mais frequência em Goiânia?
Thiago - Em números exatos não sei. Mas a Capital está extremamente violenta e os crimes contra
a vida (suicídios e principalmente homicídios) têm crescido vertiginosamente. Há um contexto de
envolvimento com drogas na grande maioria deles. Os acidentes com vítima fatal também andam
preocupantes devido à utilização indiscriminada do álcool e aumento do número de veículos.
Qual a sensação de chegar ao local onde um crime acabou de acontecer? É preciso preparo
emocional?
Thiago - Não é uma sensação agradável por maior controle que se tenha. Sempre há dor, sofrimento,
tragédia. Muitas vezes, os familiares e pessoas diretamente envolvidas estão por perto e fazem tudo
ficar ainda mais triste. Certamente é preciso um preparo emocional adequado. Mas isso é algo que
temos que desenvolver de nós mesmos, porque não temos suporte nem acompanhamento psicológico
fornecido pelo governo. A gente tem que se virar com essa carga sozinho.
Os concursos públicos para essa profissão estão cada vez mais concorridos. Você acha que os
seriados policiais (C.S.I, Dexter e etc.) exercem influência na escolha?
Thiago - Certamente. Na maioria dos locais em que vou, ninguém diz "o perito criminal chegou". Eles
dizem "o CSI chegou". É muito forte a imagem dos seriados televisivos no conceito da população sobre
a profissão. Mas nos seriados, os "poderes" das ciências criminais são supervalorizados. Em geral, não
há como fazer descobertas mirabolantes com vestígios mínimos da forma como acontece no cinema.
Além do que, a gente está longe de ter equipamentos e condições materiais pelo menos próximas
do que se vê nas telas e nos países mais desenvolvidos. Nossos índices de violência e criminalidade
também são muito mais altos e com perfis diferentes do que se vê nas telinhas.
A mídia pode atrapalhar o trabalho do perito?
Thiago - Sim, mas pode ajudar também. Pode atrapalhar ao adentrar o local e não respeitar as faixas
zebradas que indicam que devem ficar de fora. Mas também nos ajudam com seus equipamentos
em lugares escuros e, quando não temos materiais, além de divulgar a importância do trabalho e da
preservação do local.
O salário é satisfatório?
Thiago - Os salários são baixos quando comparados aos de outras profissões que atuam nos inquéritos e
processos. No Brasil, valorizam-se mais as funções da parte jurídica e burocrática, como, promotores,
analistas, delegados. Os que trabalham com elementos científicos e utilização de tecnologia aplicados
na produção de provas materiais são vistos como função inferior. Na teoria dizem que não, mas nossos
salários são bem mais baixos que os deles. É um salário muito baixo para os níveis de responsabilidade
que assumimos.
Fonte: Facomb