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Por trás das cortinas

Barreiras encontradas pelos difusores da cultura em cidades pequenas

Arícia Olinto de Almeida Leão

Bons atores, organização e paixão pelas artes. Essa deveria ser a receita perfeita para realizar com sucesso um bom espetáculo de teatro em qualquer lugar. Mas não é. Existem mais coisas entre o abrir e fechar das cortinas que nem imaginamos do nosso confortável lugar na plateia. Para uma hora e meia de espetáculo ser aplaudida de pé, é necessário um trabalho de semanas, meses. Trabalho este que não se refere aos ensaios.

A difusão da cultura em grandes centros urbanos já tropeça em algumas pedras no caminho, imaginem em cidades pequenas. Inhumas é um município do interior de Goiás, a 35 km da capital. Com aproximadamente 60 mil habitantes, a cidade ainda não dispõe de nenhum cinema, teatro ou qualquer instituição que se dedique exclusivamente à cultura. Até poucos meses atrás não dispunha sequer de uma casa de shows.

Embora seja tão carente de instituições específicas da cultura, Inhumas ainda pode contar com a paixão pelas artes de uma pequena parte da população. Mesmo sendo tão interiorana, a cidade já suporta dois grupos de teatro independentes: O grupo Imagem de Artes Integradas e a Companhia Caricato de Teatro. Há ainda grupos associados a instituições como a Companhia de teatro da FAMI (Fundação de Assistência ao Menor Inhumense).

Todos esses grupos são formados por jovens que têm em comum a paixão pelo teatro. E por essa paixão são capazes de sacrificar bem mais que o seu tempo livre. “De certa forma a cultura difundida ameaça o governo. Porque cultura traz conhecimento e conhecimento não é uma coisa que eles querem que a gente tenha,” diz Pâmylla Estefânny Maia Ribeiro, integrante da Companhia Caricato de Teatro, que é atriz há 10 anos.

Além de não poder contar com o apoio integral do governo municipal, esses grupos ainda têm que lidar com a dificuldade para encontrar patrocínio. Infelizmente a maior parte da verba própria para a cultura na cidade não é destinada ao teatro. Segundo a Secretaria da Cultura, essa verba vai quase que inteiramente para datas comemorativas. Os grupos de teatro de Inhumas precisam garantir seu próprio fundo financeiro. Para isso buscam o apoio de empresas que se interessam por essa área.

 

O papel do governo

A Secretaria de Cultura Municipal de Inhumas tem desenvolvido bem seu papel. É através dela que os grupos de pessoas interessadas em qualquer forma de arte ainda conseguem sobreviver. Chefiada por Otaviano Nascimento, a secretaria ajuda e apoia toda e qualquer realização de eventos na área da cultura. Finalmente conseguimos enxergar um ponto de luz no fim desse túnel negro que por pouco não sufocou as esperanças.

O papel desta repartição é desenvolver em todos os sentidos a cultura no município. E a pessoa que tem desempenhado majestosamente esse papel é Maria de Fátima Naves, diretora do departamento de cultura da Secretaria Municipal de Cultura e Turismo. Responsável por quase tudo nessa área, Fatinha, como é conhecida entre os grupos de teatro, é mais que uma mão amiga para os jovens que a procuram.

Quando questionada sobre as razões da cultura ser tão mal difundida no município, disse “Eu me faço essa sua pergunta desde 1976 quando eu passei a participar do clube dos 30” (um clube com interesses culturais já extinto de Inhumas). Fatinha faz parte da história cultural da cidade e se dedica com entusiasmo ao trabalho que exerce. É graças a ela que, na maioria das vezes, podemos trazer um pouco mais de lazer e cultura à população Inhumense.

Com pessoas tão apaixonadas pelo que fazem como a Fatinha e Otaviano é realmente difícil entender por que ainda existem tantas barreiras na difusão da cultura em Inhumas. Por isso, é bom lembrar que a Secretaria da Cultura não trabalha sozinha, ela é um órgão da prefeitura. Ou seja, a própria Secretaria não tem autonomia para fazer muita coisa. Ela depende, quase que inteiramente, das decisões dos governantes.

“Os governantes agora parece que estão acordando para essa área cultural” declarou Fatinha com uma voz esperançosa. “E cultura, antigamente, talvez não desse voto, mas hoje já dá voto!” acrescentou. Mas o que se espera de verdade é que a cultura não seja difundida como forma de ganhar votos, mas sim pela importância que ela representa na formação de qualquer grupo social. Pela construção de consciência que se pode alcançar através dela.

 

Resistência Popular

Além da falta de apoio governamental e da dificuldade em encontrar patrocinadores, ainda existe uma grande barreira na difusão de cultura em cidades pequenas. Talvez até seja a maior delas: a resistência da população ao novo. “Algumas pessoas ainda têm muita dificuldade de lidar com esse mundo inovador que vem junto com o teatro, com o cinema, com as artes em geral”, diz a professora de Português Maria Luiza de Almeida Leão que atua na educação há 32 anos.

É muito difícil, por exemplo, colocar uma peça de teatro para competir com um show sertanejo no final de semana. “Eu prefiro ir ao show porque, não sei. Teatro é uma coisa que faz a gente pensar e o show não. No show a gente vai pra curtir. A gente já pensa muito na escola, precisamos descansar no final de semana,” disse o estudante do Ensino Médio da rede pública Eduardo Munhoz de Oliveira em entrevista.“O maior estímulo que podemos oferecer para nossos estudantes são palestras sobre a importância da cultura. Embora existam muitas escolas que ofereçam nota para que esses alunos freqüentem o teatro, por exemplo, não acredito que esse seja o caminho correto. Isso faz com que a busca pela cultura se pareça mais com uma obrigação do que com um lazer. E a cultura deve ser encarada como uma forma de se enriquecer”, continua a professora.

Se os jovens não se interessam, há ainda os mais velhos e mais sábios prontos para expandir seus horizontes, certo? Errado. A parcela mais velha da população é a mais ausente nas atuais apresentações teatrais da cidade, segundo os próprios grupos de teatro. “Eu nunca fui ao teatro de verdade antes. Só em apresentações da Igreja e agora por conta da minha neta”, disse Rosângela Muratto Ribeiro, avó de Pâmylla Ribeiro.

Sem o entusiasmo dos jovens e com a ausência dos mais velhos, realmente não encontramos um grande público teatral em Inhumas. Quem realmente parece se preocupar com essa situação são as pessoas que de alguma forma estão ligadas à Educação. “O que nos resta é acreditar que com o tempo essa realidade vai mudar. A cidade vai crescer. E junto com ela as pessoas. Ao contrário, continuaremos famintos por teatro.”

 

Source: FACOMB