Escrever é um desafogo

A literatura presente em Goiás na forma de um veterano e grandioso talento

Filipe Andrade


Sexta-feira, 4 de março de 2011, vésperas de Carnaval. Uma fina garoa cobria o ar no centro da cidade de Anápolis, e a necessidade do cumprimento de uma pauta me preocupava. Foi neste instante que eu liguei para o Paulo Nunes Batista na intenção de entrevistá-lo e para meu deleite, sua resposta foi alentadora. Dirigi-me até sua casa no mesmo instante onde cheguei por volta das 2 h da tarde. Em sua casa fui recebido pela empregada da família que atenciosamente me encaminhou até o escritório, uma sala repleta de livros com uma mesa coberta de papéis escritos e em brancos, novos e antigos.Esperei cerca de três minutos até a chegada de um senhor de baixa estatura, de 87 anos, de pele clara, vestindo uma camisa branca, uma calça cinza e calçando uma sandália de couro preta e meias de cor clara. Recebeu-me com uma atenção especial, arrastando logo duas cadeiras para nos sentarmos (e eu nem sabia que ficaria por tão pouco tempo no aconchego daquele móvel), em seguida fiz minha primeira pergunta a este senhor de nome quase desconhecido.


Apresentação

Paulo Nunes Batista é um escritor, jornalista, cordelista e poeta nascido na Paraíba em 1924, morou no Rio de Janeiro e em Minas Gerais, onde trabalhou para diversos jornais. Tem ainda textos publicados em Portugal, desde 1940 e no Japão. Foi membro do PCB (Partido Comunista Brasileiro), o que motivou sua prisão em 1952 .
Começou escrever aos 11 anos de idade, em 1959 publicou seu primeiro folheto de cordel e em 1969 seu primeiro livro. Atualmente mora em Anápolis onde fundou a ULA (União Literária Anapolina), é membro da Academia Goiana de Letras onde ocupa a cadeira de número 8, e de outras instituições culturais de Goiás e da Paraíba.


Influências

Enquanto me mostra suas obras, todas arquivadas de modo singular em suas prateleiras, o escritor me explica como a literatura entrou em sua vida. Segundo ele, seus pais eram escritores e contadores de histórias no Nordeste, o que o influenciou a escrever. Ao ir morar no Rio de Janeiro, conheceu outros nomes de peso da literatura brasileira, entre eles, Manuel Bandeira, Graciliano Ramos e Orígenes Lessa.
Pergunto ao qual desses escritores mais o influenciou e ele faz questão de voltar às sua raízes paraibanas, destacando a influência do poeta Augusto dos Anjos sobre sua obra. Para Paulo Nunes, o gosto pela leitura sempre merece um lugar de honra, pois foi graças à leitura que a veia poética aflorou em sua vida.


Escrever

Em seguida faço a pergunta que considerava a principal da minha lista pré-elaborada. O questiono sobre o que é para ele o ato de escrever, o dom da escrita. A resposta vem de maneira simples e profunda: “é um desafogo, é por pra fora aquilo que está ruminando dentro da gente, é uma necessidade”. Para ele a ausência da escrita provoca uma angústia, que só pode ser tirada através da escrita.
A essa altura eu já havia me levantado junto com o Paulo Nunes e passeado por sua sala olhando suas obras e cartas recebidas, cartas essas escritas por amigos do escritor, como Carlos Drummond de Andrade e Manuel Bandeira. Essas cartas destacam o trabalho de Paulo Nunes e o reconhecem como um nome a ser lembrado e destacado na literatura brasileira.


Literatura hoje

O escritor lamenta a falta de leitura da população brasileira, especialmente a anapolina, no entanto faz uma ressalva, o reconhecimento e o apoio hoje tem sido maior que no passado. Ele critica de forma dura a literatura atual, principalmente a influenciada pela cultura estadunidense. Para o escritor houve uma perda da identidade cultural brasileira. De acordo com Paulo Nunes, a morte do escritor gaúcho Moacyr Scliar ocorrida no dia 27 de fevereiro, representa a atual situação literária brasileira. “Os grandes escritores do Brasil estão desaparecendo”, desabafa.
O escritor denomina essa perda de identidade de “desabrasileiramento”, onde se dá mais valor à cultura estrangeira que à brasileira, na opinião dele há uma contra-cultura prevalecendo em detrimento da literatura brasileira. “As pessoas leem mais escritores estrangeiros que os brasileiros”. O escritor e também cordelista encerra afirmando que essa “cultura ruim” tem provocado na população brasileira um excesso de informação e uma falta de cultura: “Estamos vivendo uma superficialidade”.
Depois de cerca de uma hora dentro daquela sala, me despedi do escritor recebendo de suas trêmulas mãos, seu mais recente lançamento. Estava enriquecido, mesmo que nosso diálogo tenha sido tão curto. Não estava com a sensação de dever cumprido, mas com a gratificação de poder ter cumprido esse dever. Sem dúvida, mesmo que algumas opiniões do escritor estejam contrárias às minhas, é muito interessante ver o amor pela literatura e a forma como Paulo Nunes defende nossa cultura, mesmo que nossa população não reconheça tamanho talento.

Fonte: Facomb