O calabouço da alma

Projeto Emanuel segue ajudando pessoas a saírem da prisão das drogas


Gabriel Vianna Bezerra da Trindade


Um quiosque se destaca. Ele abriga 30 pessoas sentadas em cadeiras enferrujadas. Elas usam agasalhos, chinelos e gorros. Percebe-se a barba por fazer, o olhar desconfiado, mas que logo é substituído por um sorriso e um abraço sincero ao receber qualquer um. Uma mesa separa um deles dos demais e em suas mãos surge uma Bíblia imponente.

O lugar é uma chácara ao lado do Vale dos Sonhos, onde existe há três anos o Projeto Emanuel. O trabalho realizado no local é de reabilitação de usuários de drogas. A pessoa à frente desse projeto é o pastor Wellington Côrreia de Lima. A história do pastor é parecida com a das pessoas que hoje ajudam no Projeto Emanuel e que no passado, tiveram experiências parecidas.

O líder

Wellington Côrreia de Lima, 50 anos, é pastor da Assembleia de Deus Campo de Campinas há 12 anos, casado e pai de duas filhas. Quem o observa não acredita no seu passado. Com 15 anos já era traficante. Recebia diversas drogas no Paraguai e traficava para o Rio de Janeiro. Ao conhecer José Carlos dos Reis Encina, o “Escadinha”, entrou para a facção criminosa Falange Vermelha.

“Era pra eu ser um dos piores homens da Terra”, afirma Wellington. Na época, ele chegou a lucrar com o tráfico, o que hoje seria em torno de R$ 150 mil por semana. Seus “subordinados” no tráfico ganhavam R$ 5 mil por semana. Segundo ele: “Sempre tinha um pessoal comigo. Em torno de seis a oito pessoas. E o que tinha menos tempo de cadeia pra 'puxar' era um com 200 anos ”.

Durante nove anos foi um dos homens procurados pela Polícia Federal (PF). “Eu era considerado um indivíduo de alta periculosidade e que não podia mais viver na sociedade”, explica Wellington. No dia 13 de junho de 1983, a PF em uma emboscada conseguiu prendê-lo. Após sua captura passou um ano sendo interrogado e torturado.

Choques nos rins e afogamento viraram rotina. Como ele diz: “Eles queriam que eu entregasse outros traficantes. Quebraram minha clavícula, oito costelas e onze dentes”. Após esse período foi levado a julgamento e foi condenado a 19 anos e 6 meses de reclusão por tráfico internacional. “Isso porque eu ainda tinha cadeia pra 'puxar' em Brasília e no Rio de Janeiro”, afirma Wellington.

A transformação

Após uma fuga frustrada da cadeia, o então traficante Wellington foi jogado numa cela com mais seis pessoas responsabilizadas pelo plano de fuga. A cela se chamava “calabouço”. Ele acrescenta: “Há mais de 20 anos essa cela foi extinta. Lá a água dava na altura do joelho. Nós ficamos ali 40 dias e 40 noites. Você não enxergava um palmo à sua frente. Tomava água no vaso sanitário”.

Devido ao terrível sofrimento daquele castigo no “calabouço”, seus seis companheiros de cela tiraram a própria vida. Naquele lugar obscuro, Wellington defende ter encontrado Deus. Num domingo de madrugada foi retirado do local pelos guardas e afirma: “O primeiro milagre que eu vi na minha vida foi quando eu saí do 'calabouço'. Eles me tiraram dali sem ordem do diretor”.

Depois de se libertar das drogas e cumprir sua pena. O pastor Wellington Lima começou seu trabalho com usuários de drogas. Como ele diz: “Há 20 anos eu tinha o sonho de fazer o Projeto Emanuel. Abrimos o projeto mesmo há três anos. Nosso objetivo é resgatar e sarar vidas”. Com apoio da Imobiliária Provenda e doações, o Projeto Emanuel promove a reabilitação de usuários.

O projeto alcança em torno de 30 pessoas. Nosso objetivo é alcançar 700 pessoas, mas faltam recursos. Isso aqui era função do governo fazer”, explica Wellington. O local alugado e com consumo de 300 quilos de arroz por mês pelas pessoas em tratamento, tem sido uma luta exaustiva do pastor que cada vez mais acha barreiras em propagar esse trabalho social.

Projeto Emanuel

Atualmente, a chácara onde existe o Projeto Emanuel possui quatro alojamentos, uma sala, uma cozinha, três banheiros e um quiosque onde o pastor Wellington promove três cultos diários com os residentes da casa de recuperação. Sem o uso de qualquer tipo de medicamento, o pastor promove uma reabilitação por meio dos ensinamentos da Bíblia Sagrada.

Os residentes da chácara moram nela e têm que cumprir diversos regulamentos, dentre eles: lavar sua própria roupa, selecionar entre eles cozinheiros para fazer a comida. Tem-se em reabilitação homicidas, alcoólatras, usuários de maconha e crack. “Religião não salva ninguém, mas Jesus Cristo tem condições de salvar o homem”, declara o pastor.

Os residentes, que no caso são todos homens, recebem três refeições todos os dias. Qualquer um que visite o lugar fica surpreso porque é recebido calorosamente e é quase obrigado a participar de algumas dessas refeições. Sempre educados deixam as visitas se servirem primeiro e dizem em uníssono: “Senhor, abençoe este alimento”.

Com alto índice de recuperação dos usuários, o Projeto Emanuel se mostra eficaz. O portão do local nunca é fechado, tratando-se de uma política do projeto que acolhe os que querem ficar e deixa ir embora os que não quiserem. A pessoa é considerada reabilitada após um período de nove meses, sendo possível perceber que alguns permanecem por mais tempo por se afeiçoarem ao trabalho.

As lutas

Infelizmente, o embate psicológico e físico travado pelos da casa de recuperação contra o vício é terrível. De acordo com O.R., um dos residentes que como os demais não quis se identificar: “A abstinência tem efeitos. No meu caso apareceram caroços no meu corpo. Tosse constante que parava só com o uso da droga”.

No caso de O.R., que chegou a usar maconha e crack, a droga tirou sua família, emprego e saúde. Ao falar de sua família, se emociona e diz: “Uma vez a minha filha falou pra mim que queria comprar umas coisas e aquilo partiu o meu coração”. O.R. se afundou de tal maneira no vício que sempre tinha que deixar na mão de sua esposa o seu salário para não gastar tudo com as drogas.

Hoje O.R. está há dois meses sem usar qualquer droga. Ele afirma: “Quero retomar minha vida. Eu quero realizar meus sonhos”. Diferente de O.R., muitos dos que moram na casa ainda passam por dificuldades. Podem-se notar os tremores, apetite exagerado e muitos falando sobre dores terríveis nos dentes, que mesmo com exames médicos mostrando a saúde deles, insistem em arrancá-los.

O extremo da abstinência é observado quando alguns ficam alterados, até violentos. Às vezes ameaçam pessoas que não tem qualquer relação com seu problema. Porém, toda e qualquer alteração das pessoas da casa é controlada pelo pastor Wellington, que disponibiliza seu tempo para ouvi-los ou em casos necessários, levá-los aos médicos.

Os ex-usuários

D.M. morou nos Estados Unidos e fala fluentemente o inglês. Com apenas 12 anos foi preso pela primeira vez. As amizades foram piorando até que como ele diz: “Eu comecei a andar com membros de gangues como os Latin Kings (reis latinos) e foi passando o tempo eu comecei a traficar”. Carrega cicatrizes de confrontos com outras gangues, mas há seis meses não usa drogas.

A.S. e V.M. começaram a usar maconha jovens. A.S. chegou a tentar duas vezes tirar a própria vida. V.M. chegou a fugir da polícia, fato que o envergonha até hoje. Atualmente, ambos dizem: “Sou outra pessoa no espelho”. Eles estão respectivamente, há oito e onze meses na casa de recuperação. Sendo ambos auxiliares do pastor Wellington.

A.C. é também um dos auxiliares do pastor que no passado pertenceu a uma torcida organizada chamada Inferno Verde. Aos 20 anos ficou viciado em maconha. Chegou a passar em um concurso para um banco privado, porém o vício tomava conta de sua vida. A perda do controle o fez trabalhar pela manhã e à noite ser um assaltante a mão armada. Hoje diz: “Estou 'limpo' há cinco meses”.

Esses exemplos mostram o árduo trabalho feito pelo Projeto Emanuel, que escolheu uma abordagem diferenciada para um problema antigo, as drogas na vida do ser humano. Apesar de questionamentos que surgem devido a religião envolvida no processo, o pastor Wellington se defende: “Acima de tudo, o Projeto Emanuel é um trabalho social”.

 

Fonte: Facomb