O ensino público visto de dentro
Por Luiza Mylene
Há quase 20 anos dentro do ensino público goiano, Lídia Vitória, secretária geral do Colégio Estadual Amália Hermano Teixeira, e ex-professora de ensino médio, fala sobre suas experiências dentro e fora da sala de aula. Ela conta as dificuldades que a equipe acadêmica e administrativa de colégios públicos enfrentam diariamente, realidade pouco conhecida das autoridades competentes e ignorada por políticos, pais e alunos.
Você escolheu a educação ou ela te escolheu?
Lídia Vitória: Os dois, minha mãe era professora, o que acabou influenciando, via desde criança os prós e contras de dar aula, e, na antiga quinta série, tive uma professora que de certo modo me inspirou e tomei como exemplo .No vestibular, apesar de sempre gostar da área administração, escolhi a licenciatura sabendo que seria professora.
É muito comum hoje em dia falar sobre a satisfação no emprego, a felicidade no trabalho. Você tem essa satisfação, ou existe um desânimo na hora de ir trabalhar?
Lídia Vitória: Na atual função que exerço até que não. É estressante, claro, por ser dentro da escola e ter que enfrentar dificuldades todos os dias com alunos. Em alguns casos temos mais envolvimento com eles do que os próprios professores, mas só o fato de não trabalhar na sala de aula já diminui o stress sem sombra de dúvida.
E o que motivou você abandonar a sala de aula?
Lídia Vitória: O desinteresse dos alunos. Isso me deixava até angustiada, quando não ficava doente. É extremamente cansativo lidar com várias “cabeças”, modos de pensar, e realidades diferentes em um mesmo lugar. Se não existe sequer a vontade de estar ali por parte dos alunos, uma média de trinta por sala , a aula se torna algo igualmente cansativo. Como eu já tinha um gosto para administração e contabilidade, resolvi que trabalhar na secretaria seria a melhor opção, e acertei.
O salário influencia?
Lídia Vitória: Sim, claro, mas acredito que se houvesse motivação dentro da sala de aula o salário não teria tanta importância. O professor público no Brasil recebe muito pouco , algo em torno de 6 reais por aula. Enquanto esse trabalho não for valorizado, pelo governo, que paga mau, e pelos alunos que agem com verdadeiro descaso com a escola, acho que não vai ter salário bom o bastante. Acredito que seja mais que uma questão material. Por exemplo, eu poderia receber mais trabalhando como professora do que como secretária, mas o desgaste não compensa.
Então o professor é desvalorizado dentro da própria escola?
Lídia Vitória: Acho que mais dentro da escola do que fora. A grande ilusão dos pais, e eu já tive essa ilusão com as minhas filhas também, é achar que o aluno vai para a escola porque quer aprender e porque está interessado na educação. Mas o aluno, que deveria ser o mais interessado, e para quem a escola é feita, não faz a mínima questão de estar ali. Não posso generalizar, é claro, sempre existem alunos que vão ali para aprender, esses dão valor. É esse valor de que falo, perceber a importância da escola que, posso afirmar, é raro de se ver.
Existe um desinteresse da parte dos professores em ensinar?
Lídia Vitória: Existem sim os que são totalmente desinteressados, mas acho que o que existe é uma certa descrença, que eu já tive várias vezes. Eu preparava minhas aulas de inglês com vontade, tentando tornar o aprendizado mais fácil e mais divertido, me sentia bem fazendo aquilo, mas ao chegar na sala de aula não via retorno, era trabalho jogado fora. Vemos esse desinteresse dos professores mais velhos, que já conhecem o sistema educacional e sabem como funciona o ensino na prática.
Mudar o sistema educacional seria a solução?
Lídia Vitória: Sinceramente não sei se resolveria. Na minha opinião, e de vários colegas da área acadêmica e administrativa, a chave está no aluno. Mudar o sistema só teria efeito a partir de quando ele modificasse o aluno, o que também não é fácil. Como já disse, várias realidades diferentes torna o tudo mais trabalhoso, não tem como generalizar. Para dar certo, este novo sistema teria de se adequar ao aluno, se não seria só mais uma nova tentativa sem sucesso de tornar a educação eficaz.
Em ano de eleições ouvimos muito dos políticos sobre a melhora da educação e a importância dela na formação de crianças e adolescentes. Você acha que eles tratam a educação como ela é ou é só um discurso que nada tem a ver com a realidade?
Lídia Vitória: Não só os políticos, mas autoridades em geral se preocupam com a educação do ponto de vista errado. Criam projetos, consultam pessoal especializado, mas que não estão no ambiente escolar e não sabem como é o ensino na prática. Por exemplo, fazer um laboratório de informática não quer dizer que os alunos usarão esses computadores para fins escolares. O que eles fazem “é coisa para inglês ver”, a educação mesmo fica em segundo plano. Outro exemplo são as politicas públicas que dá tantos direitos para os alunos que chega a contradizer as normas da escola. Mais uma vez é a não adequação à realidade que tenta ajudar, mas atrapalha a educação.
Fonte: Facomb