Straight Edge: livre pra escolher

Movimento prega prega um estilo de vida livre das drogas.

Por José Gulherme Abrão

O Straight Edge é um movimento jovem que surgiu no cenário musical de hardcore de Washington que prega um estilo de vida livre das drogas. O movimento chegou ao Brasil através de bandas estadunidenses e depois bandas nacionais do cenário independente. Por causa de sua filosofia de vida, o movimento também atraiu pessoas de outros grupos, como vegetarianos, e extremistas que distorcem a mensagem original. Fábio Marques Calaça é estudante de jornalismo e, embora nunca tenha usado drogas, optou por  levantar a bandeira do movimento há 10 anos e nos falou um pouco sobre o movimento e seu estilo de vida.
 
Como surgiu o Straight Edge?
Fábio Marques Calaça:
Surgiu dentro do movimento punk no final da década de 80, começo de 90 em Washington. Sempre a mesma ideia do rock como um todo, principalmente o punk, que é tido como o revolucionário, que o pessoal queria quebrar todos os padrões da sociedade e se drogavam muito, enfim. Só que existiam pessoas que não se interessavam por drogas, por nenhuma alteração de consciência. Eles frequentavam os shows e se sentiam deslocados do resto do público. Aí surgiu uma banda chamada Minor's Threat formada por pessoas que não se drogavam. Um fato engraçado é que os menores eram marcados com um “ X” na mão para que os barmen não lhes servissem bebidas alcoólicas e o pessoal que não usava nenhuma substância começou a se marcar com o “X” para mostrar que não estavam ali pra isso. E aí eles começaram a se chamar de straight edge, que em tradução literal é esquadro, um instrumento de medição que só tem ângulos retos e como havia essa ideia de que pessoas que não usam drogas estão no “caminho reto”, passaram a associar esse nome a elas.
 
Você mencionou o “X” que surgiu marcando os menores e depois virou um símbolo. Qual a importância desse símbolo?
Fábio:
Bom, hoje, nos eventos, os menores não são mais marcados com esse X. E nós sabemos que a venda de bebidas dentro de eventos muitas vezes é indiscriminada. Por causa disso, muitos eventos estão sendo só para maiores. Isso fortaleceu o X, pois já se supõe que a maioria das pessoas nesses eventos está lá pra beber e se você está marcado com o X, está dizendo exatamente o contrário. Vai além de pintar um X na mão, muitos tatuam o X no corpo, o usam em roupas, trazendo uma mensagem, mostrando que a pessoa é diferente, que ela não está lá pra usar qualquer tipo de droga.
 
Você mencionou que ele surgiu no movimento punk. Qual a importância da música para o movimento?
Fábio:
O punk foi o terreno mais propício para o Straight Edge surgir porque já tinha a contestação. Em nossa sociedade é considerado comum beber e fumar cigarro e é ruim pras pessoas que não gostam disso que não têm com quem se identificar. Então, naquela época, o punk vivia uma efervescência de contestação política, religiosa e por que não de ideias, de valores? Então o movimento surgiu pra questionar os jovens se pra ser rebelde, livre, você tinha que se drogar. Então trouxe dentro do movimento punk a mensagem de que isso não era essencial, o jovem não precisava disso só pra se enquadrar, só pra ter amigos, um grupo. Você podia ter isso sem usar drogas.
 
Qual é o apelo do Straight Edge?
Fábio:
Identidade. As roupas, as tatuagens, o X, traz a mensagem de que você tem opção, que você pode não gostar de beber uma cervejinha com os amigos de vez em quando. Eu nunca achei isso interessante, eu nunca vi atrativo em cerveja, por exemplo. O grupo mostra que você pode estar num bar, com seus amigos, não beber e não se sentir deslocado por isso. Existe outro caminho e que ele não é pior ou menos divertido que o outro.
 
As drogas são vistas como alienantes?
Fábio:
Certo. Na música, essa é a vertente mais forte. De que a produção cultural que é permeada pelo uso de drogas está aquém do seu potencial, pois você está entorpecido e que o straight edge, sem torpor, está mais apto a atingir todo o seu potencial. Isso pode levar o jovem a achar que as drogas são o caminho cool e levar a tomadas de decisões erradas, com exageros, agressão ao seu corpo. Enquanto que a pessoa que está livre das drogas poderá tomar decisões sem levar em conta prazeres efêmeros como o de substâncias químicas. Ela vai fazer uma escolha consciente de todas as opções que tem.
 
Por que um grupo com uma ideologia tão simples atrai pessoas extremas, como fanáticos religiosos, pessoal de extrema direita, e etc?
Fábio:
Existem vários fatores. Tem gente que é atraída pelo visual agressivo, pela diferenciação, pelo status de se sentir diferente, especial e pessoas extremistas querem se diferenciar, e eles buscam essa identidade. O Straight Edge, assim como outros grupos, podem proporcionar a diferenciação da “massa”. Eu quero acreditar que com o passar do tempo eles veem que não é por aí, alguns não, como os hard liners, que são Straight Edge fanáticos e não aceitam pessoas diferentes. Pra começo de conversa, ser parte disso é uma opção de vida e muito pessoal, não é algo feito pra mostrar pros outros. Você vai falar disso para seus amigos e tudo mais, mas não vai tentar impor nada. Há uma distorção. Muitas dessas pessoas não sabem o que é a fundo o Straight Edge. Esses extremistas aparecem por terem um conhecimento superficial.
 
O Straight Edge também atrai membros de outros grupos, como os vegans, vegetarianos, hare krishna, budistas, etc. Por quê?
Fábio:
É pela questão da ideologia da preservação do corpo. É uma escolha muito pessoal. Uma pessoa que faz opção pelo vegetarianismo também pode fazer opção por outros ideais de preservação, que inclui o Straight Edge. O grupo é de preservação do corpo contra alterações de consciência e contra os malefícios do organismo. Acaba atrativo para essas outras culturas, pois se você preserva certas coisas, porque não preservar o próprio corpo? A pessoa faz essa escolha de preocupação consigo e com os outros, com o ambiente, enfim, com aquilo de acordo com sua cultura.
 
Por atrair grupos diversos, o Straight Edge sofre preconceito?
Fábio:
Sofre. Principalmente por causa da falta de informação e por causa dos extremistas e das pessoas superficiais. Essas pessoas acabam saindo do grupo, mas gera uma imagem negativa, do tipo, você está num grupo de amigos e alguém fala “então, você ainda tá nessa onda de Straight Edge?”. Straight Edge não é uma onda. É uma escolha. O problema da falta de informação é que a pessoa faz uma escolha de forma superficial, chega um ponto em que ela desiste e gera esse preconceito, de que você tá ali só pra aparecer e chamar a atenção, porque você pode não usar drogas a vida toda e não ser Straight Edge. Você não quer levantar uma bandeira. Quando uma pessoa levanta a bandeira de forma leviana passa a ideia de que é uma moda passageira e ninguém precisa fazer essa opção porque é uma modinha, brincadeira, e não é. E o que é negativo sobressai ao positivo.

Fonte: Facomb