Volta às aulas após os 30

Ensino superior adiado por necessidade de trabalho

Por Jéssika Corrêa

Janice Aparecida de Souza Silva, 38 anos, é estudante de pedagogia. Por
ser filha de pais separados, começou a trabalhar muito jovem para ajudar
a mãe. Seu pai não pagava pensão alimentícia e o salário de sua mãe não
conseguia sustentar a família de 6 pessoas. Por causa do serviço, Janice parou
de estudar na 8ª série do Ensino Fundamental e só conseguiu retornar à sala
de aula aos 33 anos. A história de Janice se assemelha a de muitos brasileiros.
O grande número de evasão escolar tem como um de seus principais motivos
a necessidade do aluno por trabalhar para ajudar no sustento da família. Nesta
entrevista, Janice conta um pouco de sua história.

Quando surgiu a vontade de se tornar pedagoga?
Janice: Sempre gostei de crianças. Gostava muito, também, de ajudar
meus irmãos a fazerem as tarefas que os professores passavam para
casa. Minha mãe dizia que eu tinha, mesmo, o dom de ensinar. O
problema foi que eu tive que parar de estudar na 8ª série, mas a vontade
de lecionar, sempre tive. Nem o tempo conseguiu tirar isso de mim.

O que te fez parar de estudar?
Janice: Deus escreve certo por linhas certas!!! Os meus pais se
separaram quando eu tinha 13 anos. Nessa época minha mãe estava
grávida e eu já tinha outros 3 irmãos mais novos. Foi um sufoco! A minha
mãe não conseguia mais trabalhar direito porque a gravidez era bastante
delicada e o jeito foi eu começar a trabalhar, né... É difícil. Mas eu acho
que a família era mesmo a coisa mais importante naquele momento. Daí
eu ainda aguentei por um ano o desafio de trabalhar e estudar e depois
chegar em casa cansada e ajudar meus irmãos com o dever da escola.
Mas como era muito cansativa essa jornada diária, eu resolvi parar de
estudar quando terminei a 8ª série. Olha, foi bastante difícil, para mim,
ter que tomar a decisão de parar de estudar. Eu gostava muito de assistir
aula, aprender as matérias... Eu gostava de tudo, da matemática até o
português. Lembro que eu era uma das melhores alunas da turma antes
de eu começar a ter que trabalhar. Mas foi uma decisão apoiada por
minha mãe, ela achava que mulher não precisava estudar muito, tinha que
saber só o básico.

Quando você voltou a estudar?
Janice: Olha, o mais engraçado foi que eu voltei a estudar por apoio
do meu marido. Ele é empresário, eu não tinha mais a necessidade
de trabalhar fora. Sempre comentava com ele o quanto eu ainda tinha
vontade de voltar pra sala de aula e ainda fazer faculdade, só que, por
mais que ele me apoiasse, nós tínhamos filhos pequenos e eu não tinha
ninguém de confiança para deixar os meninos enquanto eu estivesse na
escola estudando. Quando minha filha mais velha completou 12 anos,
eu tomei a decisão de que, no ano seguinte, eu ia voltar a estudar. E foi
assim, me matriculei em uma escola estadual no período matutino, no
ensino regular. Imagine o estranhamento daqueles adolescentes me
vendo na aula junto com eles.

Você foi vítima de preconceito na escola?
Janice:
Olha, confesso que eu pensei que seria maior o preconceito dos
alunos e dos professores. No início eles estranharam muito a minha
presença lá, mas logo que eles puxavam conversa comigo, acho que eles
passaram a me aceitar e até a me ter como uma “mãezona legal”. Era
engraçado!!! Eu servia às vezes como psicóloga de algumas meninas.
Eu dava a elas uma atenção carinhosa que mais ninguém oferecia. E eu
gostava disso. E por mais que eu estivesse a tanto tempo sem estudar,
eu pegava rápido as matérias. Aprendia com facilidade e ainda conseguia
ajudar muitos dos colegas da turma. Eu, quando ia ajudar meus filhos
com as lições de casa, aproveitava para relembrar as matérias. E isso eu
fazia sem perceber!!!

Quando terminou o Ensino Médio, você já tinha a idéia de fazer graduação
em pedagogia?

Janice: Sim, sim. Todo mundo que me via ensinar o dever de casa pros
meus filhos ou ajudar meus novos colegas de sala, diziam que eu tinha
dom pra ensinar e que eu deveria investir na faculdade e me formar para
poder dar aulas. Sempre gostei de receber esse tipo de elogio!!! E o curso
que eu mais queria era mesmo pedagogia. Me inscrevi para o vestibular
da UFAL, mas na véspera da prova, minha filha mais nova começou a
passar muito mal e tivemos que levá-la para um pronto-socorro. O médico
passou exames, passou um medicamento, mas pediu que nós ficássemos
de olho nela e que qualquer sinal de piora era pra nós retornarmos lá
na emergência. Não me senti segura em deixar o meu marido olhando
as crianças e ainda cuidando da “dodoizinha”. Preferi abrir mão do
vestibular para cuidar da minha filhinha.

Você, alguma vez, se sentiu arrependida por ter renunciado tanto em
favor de sua família?
Janice:
Se eu disser que nunca senti nada parecido com arrependimento,
eu estarei mentindo. Quem é que não pensa besteiras? Mas, apesar de
tudo, acabo achando que fiz mesmo o que era certo. Sempre!!! Hoje, digo
com segurança que não me arrependo de nada do que fiz pelas pessoas
que estavam ao meu redor!

Como você ingressou na faculdade?
Janice: Ah, depois que minha filha melhorou, eu pensei: ‘por que é que
eu só penso na UFAL?’... ‘Tenho condições de pagar uma faculdade, não
vou perder mais um ano’. Resolvi que iria fazer minha graduação numa
faculdade particular mesmo! E hoje eu estou no 6º período de pedagogia.

Quais são seus objetivos para quando terminar a faculdade?
Janice:
Ah, é muito gratificante. Meu curso é ótimo... Acho que meus
filhos podem dizer que têm um bom exemplo dentro de casa. Já estou
dando aulas particulares para crianças da vizinhança da casa da minha
mãe. E tenho uma proposta de emprego numa escola no setor onde eu
moro. Melhor do que está vai ficar quando eu ver meus filhos também
formados!

Fonte: Facomb